domingo, 6 de maio de 2012

Uma cena de apartheid social


       Um dia destes, no estacionamento de um McDonald's, em Brasília, dois jovens dentro de um carro se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assisitia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito?
    Se se sentissem semelhantes aos pivetes, os jovens do carro e os que assistiam teriam alguma solidariedade com a pobreza. Os jovens não fariam aquilo, ou os assistentes não deixariam que eles tentassem. Por outro lado, os pivetes, se sentissem um mínimo de dignidade, teriam assaltado os donos do carro em vez de rastejar pelas batatas fritas.
    O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes. E estes, além de terem medo dos atentos vigilantes, viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes. É isso que caracteriza o apartheid. O que disfarça sua ocorrência no Brasil é que os pivetes ainda podem chegar perto do McDonald's e muitas pessoas ainda se chocam com uma cena como essa de Brasília.
    Mas isso está mudando. Pouco a pouco os brasileiros ricos e quase ricos começam a assumir a diferença em relação aos pobres e se acostumar com a miséria ao lado, construindo mecanismos de separação.
Por isso, é preciso despertar para o problema. Entender o que está ocorrendo e apresentar alternativas.
    Não se pode dizer que o apartheid começou com os brancos da África do sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. (...)Dividiam os homens entre eles e os outros: os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza de cultura; os outros para trabalharem como escravos.
    Aristóteles não hesitou em afirmar que os homens livres eram superiores aos escravos. Segundo ele, "alguns homens são por natureza livres, e outros, escravos". Não se tratava ( e não se trata*) apenas de desigualdade, mas de diferença entre os homens.


Referência: BUARQUE, Cristovam. O que é apartação:o apartheid social no Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1999 - texto com adaptações

* Não existe no texto original - acréscimo meu.

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